4.1. Definição
Define-se evolvente de círculo como sendo a curva descrita por um ponto tomado sobre uma reta que rola, sem deslizamento, por sobre um círculo. Na figura 4.1, entendamos que a reta azul tracejada começou a girar a partir da vertical, tangencia no ponto \(Q\), e o seu ponto de tangencia inicial com a circunferência de base de raio \(r\) foi passando pelos pontos \(a_1\), \(b_2\), \(c_3\) até chegar ao ponto \(h_8\), pela definição, o segmento \(\overline{aa_1}\) é tangente à circunferência de base no ponto \(a\) e o seu comprimento igual ao comprimento do arco \(\stackrel{\frown}{aQ}\), o segmento \(\overline{bb_2}\) é tangente à circunferência de base no ponto \(b\) e o seu comprimento igual ao comprimento do arco \(\stackrel{\frown}{bQ}\), e assim sucessivamente até se chegar ao ponto \(\overline{hh_8}\), cujo comprimento será igual a \(\pi r\) que corresponde exatamente a meia circunferência.
Figura 4.1 – Traçado da evolvente.
Como características básicas, podemos ressaltar que a tangente em qualquer ponto da evolvente é normal ao segmento que sai deste e tangencia a circunferência de base, como exemplo na figura 4.1, temos o segmento de reta tangente no ponto \(e_5\) que é normal ao segmento \(\overline{ee_5}\), também, como consequência imediata a evolvente é normal à circunferência de base no seu início.
O vídeo 4.1, a seguir, ilustra a definição de evolvente, de forma animada, facilitando a compreensão de como realmente se desenvolve a curva.
Vídeo 4.1 – Desenvolvimento da evolvente.
Analiticamente, podemos obter com facilidade, isto fica a cargo do aluno, as equações paramétricas da evolvente, considerando o sistema global com origem no centro da circunferência de base, como mostrado abaixo.
\[\left \{ \begin{array}{lr}
x=r(\cos \alpha+\alpha\,\text{sen}\,\alpha)\\
y=r(\text{sen}\,\alpha-\alpha \cos \alpha)
\end{array}\right.\]
Uma outra forma prática, manual, de obtermos a evolvente se faz através de um cordão que é enrolado em um disco cilíndrico, tendo uma de suas extremidades (F) presa a este, figura 4.2, na parte de baixo deste cilindro, é colocada uma folha de papel ou cartolina fixo, de tal forma que a medida que o cordão vai se desenrolando um ponto fixo no mesmo vai traçando a evolvente, veja os passos deste procedimento a seguir.
Figura 4.2 – Geração através de um cordão.
- Um cordão DEF é enrolado ao redor do um disco cilíndrico M, pode ser uma lata de goiabada, e mantido esticado, inicialmente tendo sua tangencia no ponto A que será o ponto inicial da evolvente;
- O ponto B no cordão, inicialmente coincidente com o ponto A, é o ponto que vai traçar a evolvente, ou seja, quando o cordão é desenrolado da lata, esse ponto irá traçar a curva evolvente AC, pode ser, por exemplo em um pedaço de cartolina N;
- No ponto B, o raio de curvatura da evolvente é exatamente a distância BE, este raio tem valor zero em A e atinge o seu máximo em C;
- O segmento DE, cordão esticado, é normal a evolvente em todos os pontos da intersecção e, ao mesmo tempo, sempre tangente ao cilindro M.
Veja o processo aplicado no vídeo 4.2 abaixo.
Vídeo 4.2 – Geração da evolvente pelo enrolamento do cordão.
4.2. Propriedades da Evolvente
Por ser uma curva matematicamente bem definida, é de se esperar que haja uma série de propriedades que possam ser equacionadas de forma analítica e geométrica, o que de fato é verdadeiro, mas para a nossa aplicação ao estudo das engrenagens, nos bastam apenas duas que citaremos abaixo.
- A normal a qualquer ponto da evolvente, B na figura 4.3, é sempre tangente à circunferência de base;
- A magnitude do segmento \(\overline{CB}\) é igual ao comprimento do arco \(\stackrel{\frown}{CA}\);
Figura 4.3 – Propriedades da evolvente.
4.2.1. Função Evolvente
No estudo das curvas evolventais há um expressão conhecida por função evolvente, denotada por \(ev(\bullet )\), que relaciona os ângulos entre os pontos A, B e C da figura 4.4. Esta função nos será útil, mais tarde, no desenvolvimento da espessura dos dentes, ela é definida por:
\[\begin{equation}
ev(\delta)=\text{tg}\,\delta\, -\, \delta \tag{4.1}
\end{equation}\]
OBS:
Note que a função evolvente é obtida em radianos e todos os seus argumentos também são em radianos.
A partir desta função evolvente, fica fácil se obter o valor do ângulo \(\gamma\) que vai do início da evolvente sobre a circunferência de base, ponto A, até um ponto qualquer sobre a mesma, em nosso exemplo o ponto B. Notando que:
\[\begin{equation*}
\frac{\overline{CB}}{r_b}=\text{tg}\,\delta
\end{equation*}\]
Mas, como o comprimento de \(\overline{CB}\) é igual ao comprimento do arco \(\stackrel{\frown}{CA}\) e, sendo \(\frac{\stackrel{\frown}{CA}}{r_b}=\gamma+\delta\), vem:
\[\begin{equation*}
\gamma+\delta=\text{tg}\,\delta
\end{equation*}\]
Ou:
\[\begin{equation*}
\gamma=\text{tg}\,\delta\,-\,\delta
\end{equation*}\]
Ou seja:
\[\begin{equation}
\gamma=ev(\delta) \tag{4.2}
\end{equation}\]
4.3. A Evolvente como Curva Conjugada
Para entendermos como a curva evolvete pode ser utilizada como curva conjugada, vamos imaginar que um cordão seja enrolado, no sentido horário, ao redor de um cilindro de base (roda 1 na figura 4.4), esticado entre os pontos A e B e continuando a ser enrolado, em sentido anti-horário, ao redor de um outro cilindro de base (roda 2 na figura 4.4), com base nessa construção vamos desenvolver o raciocínio na sequência dos tópicos abaixo.
Figura 4.4- Duas curvas evolventais se conjugam.
- Se os cilindros de base forem rodados em direções diferentes, a fim de manter o cordão esticado, um ponto G nele irá descrever as evolventes CD para o cilíndrico 1 e EF para o cilíndro 2;
- Tais evolventes são geradas simultaneamente pelo ponto traçador G;
- Esse ponto G é sempre o ponto de contato entre as duas evolventes, ao passo que a porção do cordão AB é a linha geradora;
- Essa linha não muda de posição, pois é sempre tangente aos cilindros de base;
- Uma vez que esta porção do cordão AB é sempre normal às duas evolventes no ponto G, e que o ponto P, que é a intersecção deste cordão com o segmento \(\overline{)_1O_2}\), não pode variar em função da geometria formada, o requerimento da Lei Fundamental do Engrenamento é satisfeito.
Retirando-se o cordão e fixando-se estas curvas conjugadas aos respectivos círculos, figura 5, vamos poder transmitir o movimento de um cilindro ao outro, pelo contato direto entre as duas evolventes e com garantia da LFE.
Figura 4.5 – Evolventes conjugadas.
Agora, fixando-se várias curvas, a exemplo da figura5, no sentido de se ter sempre uma ou mas curvas em contato durante um movimento completo, vamos obter a roda dentada da figura 4.6 que já é, na verdade, uma engrenagem muito embora só possa girar em um único sentido.
Figura 4.6 – Engrenagem composta de várias evolventes.
No próximo capítulo iremos ver que este problema de giro apenas em um sentido, bem como as dimensões de cada uma das curvas evolventais foi resolvido através da padronização que também impõe uma nomenclatura bem específica às engrenagens juntamente com várias expressões decorrentes em sua grande parte do conceito de evolvente.
4.3.1. Cinemática do Engrenamento
Agora, para finalizarmos, vamos nos ater à geometria da figura 4.4, destacando alguns itens e nomeando-os, como também destacando as circunferências de base e o segmento que tangencia estas, agora chamado de linha de ação. Vejamos na figura 4.7 abaixo.
Figura 4.7 – Cinemática do engrenamento.
A esta geometria, que vai ser de suma importância em todos os nossos desenvolvimentos, damos o nome de Cinemática do Engrenamento e aqui vamos destacar alguns conceitos importantes para o nosso entendimento.
- A linha que tangencia as duas circunferências de base será chamada Linha de Ação;
- A linha de ação intercepta o segmento \(O_1O_2\) no ponto primitivo \(I\);
- Os pontos notáveis \(H_1\) e \(H_2\) são definidos em função da tangência da linha de ação com as circunferências de base 1 e 2 respectivamente;
- As circunferências primitivas 1 e 2 são construídas de tal forma que sejam concêntricas com as sua respectivas circunferências de base e que passem pelo ponto primitivo;
- O ângulo \(\alpha\), conhecido como Ângulo de Pressão, é definido pela linha de ação com a linha que tangencia as duas circunferências primitivas, passando pelo ponto \(I\);
- Como consequência os ângulos \(\measuredangle H_1O_1I\) e \(\measuredangle H_2O_2I\) são iguais ao ângulo de pressão;
- Na figura, podemos ver ainda os raios das circunferências de base e primitiva para as duas engrenagens.
Fique ligado:
A construção da geometria de Cinemática do Engrenamento será o nosso “norte” em todos os desenvolvimentos e é de suma importância que o aluno saiba esboçá-la sempre que necessário.
4.3.2. Mais Detalhes em Vídeo
No vídeo que se segue, podemos ver mais detalhes sobre o desenvolvimento da evolvente como curva conjugada e a sua aplicação às engrenagens.
Vídeo 4.3 – Evolvente aplicada às engrenagens.
4.4. Exercícios
- N figura 4.7, como ficaria a linha de ação se as velocidades angulares \(\omega_1\) e \(\omega_2\) fossem contrárias ao que é mostrado nesta figura?
- Faça o esboço da cinemática do engrenamento para um conjunto de engrenagens do tipo externo-interno.
- Na figura 4.7, encontre \(r_{b_1}\) e \(r_{b_2}\) em função de \(r_1\) e \(r_2\) respectivamente e, com isto, determine a relação de transmissão em função apenas dos raios das circunferências de base.
- Faça uma análise, tomando como base a figura 4.4, para o caso em que o ponto \(O_2\) se distancia de \(O_1\) e verifique se as duas curvas evolventes ainda seriam as mesmas.
- Faça o esboço da cinemática do engrenamento para um par pinhão cremalheira.
- Com base na figura 4.1, encontre as equações paramétricas da evolvente, equação (4.3) abaixo. Tome como base um sistema local com origem no ponto e, cujo eixo das abscissas passe pelo ponto e5 (note que assim o valor de \(u\) será \(r\alpha\)) e estabeleça os valores das coordenadas globais x e y.
\[\begin{equation}
\left \{ \begin{array}{lr}
x=r(\cos \alpha+\alpha\,\text{sen}\,\alpha)\\
y=r(\text{sen}\,\alpha-\alpha \cos \alpha) \tag{4.3}
\end{array}\right.
\end{equation}\]
- Mostre que o raio de curvatura em um ponto, sobre a evolvente, que dista de \(r\) do centro da circunferência de base, sendo \(\beta\) o ângulo entre o início da evolvene e o raio \(r\), figura 4.8, pode ser dado por:
\[\begin{equation*}
\rho=r_b[\beta+\text{arccos}\frac{r_b}{r}]
\end{equation*}\]
Figura 4.8 – Raio de curvatura da evolvente
- Mostre que o ângulo entre dois pontos distintos da evolvente, figura 4.9, é igual à diferença entre a função evolvente do complemento do ângulo formado pelo segmento que vai do segundo ponto ao centro da circunferência de base pela normal a este ponto, e a função evolvente do complemento do ângulo formado pelo segmento que vai do primeiro ponto ao centro da circunferência de base pela normal a este ponto ponto, como mostrada na expressão abaixo.
\[\begin{equation*}
\beta=\text{ev}(\beta_C)-\text{ev}(\beta_A) \tag{4.4}
\end{equation*}\]