Problema do Engripamento

     Para que o seguidor possa ter um movimento suave e sem interferências relativamente ao mancal de deslizamento em que este se encaixa, se faz necessário um estudo detalhado deste contato – não só no que diz respeito ao atrito, com uma boa lubrificação ou a utilização de mancais de esfera axiais – pois ai o ângulo de pressão tem muita influência, podendo se dizer que seja o principal item a ser considerado no projeto para que se tenha um mancal eficiente. O problema se apresenta quando o seguidor tende a pressionar, transversalmente, o mancal por conta da componente de força perpendicular a esta imposta pelo came quando o impulsiona de forma ascendente. Quando a pressão é tal que impossibilita o deslocamento do seguidor, por consequência de um atrito exagerado, figura 1b, este literalmente trava e dizemos que houve ai um engripamento do seguidor no mancal.

     Devemos ressaltar que este problema só ocorre de forma preocupante, nos mancais radiais de rolos ou de ponta de faca, em mancais de mesa a análise também deve ser feita, de forma diferenciada da que iremos tratar aqui, pelo fato de que o atrito do came na mesa também impulsiona o mancal transversalmente contra o seguidor, porém quando se utiliza uma lubrificação adequada entre o came e a mesa este problema é bastante minimizado.

2. Verificando o Engripamento

     Na figura 1a, temos o came girando no sentido anti-horário e impulsionando o seguidor verticalmente em um ponto de sua elevação, desde que o came recebe um torque motor \(\tau\) ele o repassa para o seguidor através de uma força \(P\) que é colinear com a reta normal ao contato com a curva primitiva no ponto \(C\), esta força faz, então, um ângulo \(\varphi\) com o eixo do seguidor, onde \(\varphi\) denota o ângulo de pressão neste momento. É visível que, como a força \(P\) não é vertical, esta tem uma componente horizontal \(P_H\) que forçará um ligeiro deslocamento do seguidor, mais especificamente o ponto \(C\) deste, fazendo com que o seguidor como um todo, gire dentro do mancal, forçando o contato nos pontos \(A\) e \(B\), figura 1b, onde haverá um atrito elevado em função de que ai surge uma reação normal considerável.

Figura 1 – Mecânica do Engripamento.

     A nossa análise vai se basear na geometria do seguidor e do mancal e, é claro, no coeficiente de atrito entre estes, por isto na figura 2, estamos isolando o seguidor para que possamos enxergar de forma mais clara os esforços que são aplicados sobre este, tem-se a força \(Q\) que seria o trabalho a ser vencido, juntamente com a força da mola se houver, a força \(P\) que, como já sabemos, é decorrente do torque que o came aplica no seguidor, as forças normais \(N_A\) e \(N_B\) e os seus corresponderes atritos \(F_A\) e \(F_A\),  aplicador nos pontos \(A\) e \(B\) respectivamente.

Figura 2 – Esforços aplicados no seguidor.

3. Desenvolvimento das Expressões

     Isto posto, a figura 3 mostra de forma mais clara o seguidor totalmente isolado e representado por um “Diagrama de Corpo Livre”, onde são ressaltados os pontos \(A\), \(B\) e \(C\), de aplicação das cargas. Este diagrama vai nos possibilitar um melhor entendimento das expressões que serão desenvolvidas.

Figura 3 – Diagrama de Corpo Livre para o seguidor.

     Vamos considerar naturalmente conhecidos o atrito \(\mu\) entre o seguidor e o mancal e as magnitudes \(a\) e \(b\) como geometria de projeto, na maioria dos casos, a grandeza \(a\) diz respeito a altura do mancal, mas podendo, em alguns casos ser traduzida pela distância entre dois mancais alinhados, perceba também que a força \(P\) forma um ângulo \(\varphi\) – já sabemos ser este o ângulo de pressão – com o eixo do seguidor.

     Efetuando-se um balanço do momento, no ponto \(A\), de todas as cargas \(\sum M_A=0\), teremos:

\[\begin{equation*}
N_B a=[(a+b) \sin\varphi] P
\end{equation*}\]

     Como consequência:

\[\begin{equation}
N_B=P\frac {(a+b)}a \sin\varphi
\end{equation}\]

     Efetuando-se agora um balanço do momento, no ponto \(B\), de todas as cargas \(\sum M_B=0\), teremos:

\[\begin{equation*}
N_A a=(b \sin\varphi) P
\end{equation*}\]

     E, como consequência:

\[\begin{equation}
N_A=P\frac ba \sin\varphi
\end{equation}\]

     Já o equilíbrio de forças segundo a diração vertical \(\sum F_y=0\), nos fornece:

\[\begin{equation}
P \cos\varphi – (F_A + F_B) = Q
\end{equation}\]

     Como em função das normais \(F_A=\mu N_A\) e \(F_B=\mu N_B\), podemos concluir que \(F_A + F_B=\mu(N_A + N_B)\) e, das equações (1) e (2):

\[\begin{equation*}
N_A + N_B=P\frac ba \sin\varphi + P\frac {(a+b)}a \sin\varphi=P\frac {(a+2b)}a \sin\varphi
\end{equation*}\]

     Vamos obter:

\[\begin{equation*}
F_A + F_B=P\mu\frac {(a+2b)}a \sin\varphi
\end{equation*}\]

     E a equação (3) pode ser reescrita:

\[\begin{equation}
P \cos\varphi – P\mu\frac {(a+2b)}a \sin\varphi = Q
\end{equation}\]

     De onde tiramos:

\[\begin{equation}
P = \frac{Q}{\cos\varphi – \mu\frac {(a+2b)}a \sin\varphi}
\end{equation}\]

     E, fazendo agora uma análise na equação (5), podemos ver que se o denominador for para zero teremos a força \(P\) tendendo a infinito, qualquer que seja o valor da força \(Q\). Isto sugere que nesta condição a força \(P\) gerada pelo came, não impulsionará o seguidor, uma vez que por maior que esta seja, ela será finita e teremos ai então a condição de engripamento, ou seja quando:

\[\begin{equation}
\cos\varphi – \mu\frac {(a+2b)}a \sin\varphi=0
\end{equation}\]

     Teremos o travamento do seguidor, fenômeno este conhecido por engripamento. Quando a equação (6) for verdadeira podemos retrabalhá-la, obtendo:

\[\begin{equation*}
\tan \varphi=\frac{a}{\mu(a+2b)}
\end{equation*}\]

     Mais especificamente, observando-se os valores de \(\varphi\) ao longo da elevação, é possível se notar que haverá engripamento sempre que:

\[\begin{equation}
\tan \varphi \geq \frac{a}{\mu(a+2b)}
\end{equation}\]

     E vamos tomar como base esta expressão, equação (7), para a construção da geometria do mancal de tal forma que o ângulo de pressão aqui encontrado não seja menor que o ângulo de pressão \(\hat\varphi\) de projeto, garantindo assim que não irá haver engripamento.

3. Exercícios

  1. Na figura 4, abaixo, tem-se um esboço de um sistema came seguidor com uma geometria predefinida em \(h\) para a altura do mancal e 150 mm para a distância do mancal ao centro de giro do came, o coeficiente de atrito entre o mancal e o seguidor é \(\mu=0,2\), o ângulo de pressão do projeto é \(\hat\varphi=30^o\). Determine em que faixa pode se situar o valor de \(h\) para que não haja engripamento, sabendo-se que o raio da circunferência primitiva \(R_i\) é igual a 50 mm.
Figura 4 – Determinar valores para \(h\).
  1. Para o mecanismo de came mostrado na figura 5, o diâmetro da circunferência principal é de 16 cm, o ângulo de elevação é 120o e o de retorno é 60o, ambos em uma harmônica. Verifique se há possibilidade de engripamento do seguidor para uma altura de elevação de 6 cm com um coeficiente de atrito da ordem de 0,18.
Figura 5 – Verificar se há engripamento.