O Problema da Interferência

6.1. Mecanismo da Interferência

     Em nossos estudos anteriores vimos que para haver a conjugação se fazia necessário que os dois perfis obedecessem à LFE, ou seja, apenas um obedecendo, não havia possibilidade. Infelizmente, quando temos perfis conjugados evolventais, nem sempre a evolvente se estende até ao pé do dente, ou seja, há casos em que o diâmetro de circunferência de pé é menor que o diâmetro da circunferência de base, ficando ai um trecho de segmento de reta para a complementação, portanto, neste caso há a possibilidade de contato de um trecho de evolvente com um trecho de segmento de reta, deixando de haver a conjugação. Quando isto ocorre, dizemos que houve uma interferência e a figura 6.2 ilustra bem o porquê do termo.

     Como a curva evolvente se situa sempre acima da circunferência de base, quando a circunferência de cabeça da coroa intercepta a linha de ação abaixo do ponto \(H_1\), no dente da coroa a parte mais extrema deste vai, em algum momento, fazer contato com a parte do dente do pinhão que fica abaixo da circunferência de base deste e, não sendo este trecho uma evolvente, não se tem ai uma conjugação, figura 6.1.

Figura 6.1 – Intersecção da cabeça do dente abaixo de \(H_1\).

     Portanto, para se evitar esta geometria de interferência, devemos buscar sempre que a intersecção, ponto P na figura 1, se faça acima de \(H_1\), mais especificamente a circunferência de cabeça da coroa deve interceptar a linha de ação no segmento \(\overline{IH_1}\). A figura 6.3, abaixo detalha bem este contato fora do segmento \(\overline{IH_1}\), e mostra com mais clareza a penetração que tende a acontecer da cabeça do dente da coroa no pé do dente do pinhão. É claro que como os dentes são feitos de material ferroso, normalmente de aço, esta penetração não ocorre e o que temos ai são choques localizados que a curto prazo vêm quebrar o dente.

Fique ligado:
Sempre que a circunferência de cabeça da coroa interceptar o segmento \(\overline{O_1H_1}\), passando portanto, abaixo do ponto \(H_1\), haverá interferência.

     Na prática, sempre que não é possível se evitar a interferência, muitas vezes pela prioridade que a relação de transmissão tem sobre o projeto, se “escavoca” o pé do dente do pinhão para que esta tendência de penetração não ocorra, porém há de se considerar que ai deixou de haver a conjugação, mesmo não tendo mais a penetração. Fica patente então que isto só se presta à engrenamentos de baixa velocidade.

Figura 6.2 – Detalhe da interferência.

6.2. Verificação Geométrica

     Apesar de o problema da interferência ser bastante sério e preocupante, a sua determinação e correção em função das quantidades de dentes do pinhão e da coroa é bem simples e envolve apenas o conhecimento de geometria básica. Pelo exposto acima, nós pudemos compreender que não haverá interferência se \(r_{a_2}<\rho\), consequentemente se \(r_{a_2}^2<\rho^2\) e, pela figura 6.3, vemos que:
\begin{align*}
\rho^2  &=  r_2^2\cos^2\alpha+(r_2\text{sen}\:\alpha+r_1\text{sen}\:\alpha)^2\\
&=  r_2^2+2 r_1 r_2 \text{sen}^2\alpha+r_1^2\text{sen}^2\alpha
\end{align*}

Figura 6.3 – Mecanismo da interferência.

     Também, já sabemos ser:

\begin{equation*}
r_{a_2}^2=(r_2+h_a)^2=r_2^2+2r_2 h_2+h_a^2
\end{equation*}

     Então:

\begin{equation*}
r_{a_2}^2<\rho^2
\end{equation*}

     Equivale a:

\begin{equation*}
2r_2 h_a+h_a^2<2 r_1 r_2 \text{sen}^2\alpha+r_1^2\text{sen}^2\alpha
\end{equation*}

     Lembrando que \(h_a=m\) e que \(r_i=\frac{m}{2}z_i\), vem:

\begin{equation*}
m^2 z_2 +m^2<\frac{m^2}{2}z_1 z_2 \text{sen}^2\alpha+\frac{m^2}{4}z_1^2\text{sen}^2\alpha
\end{equation*}

     Ou:

\begin{equation*}
z_2 +1<\frac{1}{2}z_1 z_2 \text{sen}^2\alpha+\frac{1}{4}z_1^2\text{sen}^2\alpha
\end{equation*}

     Multiplicando ambos os lados por \(\frac{4}{\text{sen}^2\alpha}\), vem:

\begin{equation}
\frac{4}{\text{sen}^2\alpha}(z_2 +1)<2 z_1 z_2 +z_1^2 \tag{6.1}
\end{equation}

     Agora iremos somar \(z_2^2\) em ambos os lados e, por conveniência vamos colocar a expressão final sob a forma:

\begin{equation*}
z_1^2+2 z_1 z_2+z_2^2>z_2^2+\frac{4}{\text{sen}^2\alpha}(z_2 +1)
\end{equation*}

     Ou seja:

\begin{equation*}
(z_1+z_2)^2>z_2^2+\frac{4}{\text{sen}^2\alpha}(z_2 +1)
\end{equation*}

     Extraindo a raiz, considerando, é claro que \(z_1+z_2\) é positivo, vamos obter finalmente:

\begin{equation}
\boxed{z_1>\sqrt { z_2^2+\frac{4}{\text{sen}^2\alpha}(z_2 +1) }\; -\; z_2} \tag{6.2}
\end{equation}

     Agora dividindo-se a equação (6.1) por \(z_2\), vamos ficar com:

\begin{equation}
\frac{4}{\text{sen}^2\alpha}(1+\frac{1}{z_2})<2 z_1 +\frac{z_1^2}{z_2} \tag{6.3}
\end{equation}

     Ao buscarmos o limite do número de dentes da coroa indo para infinito, caso em que esta se transforma na cremalheira, teremos \(\lim_{z_2\rightarrow \infty}\frac 1{z_2}=0\) e então a equação (6.3) se transforma em:

\begin{equation}
\boxed{z_1>\frac{2}{\text{sen}^2\alpha}} \tag{6.4}
\end{equation}

6.3. Considerações Finais

     Nos cálculos acima, no sentido de se evitar o problema da interferência, obtivemos duas expressões importantes mostradas nas equações (6.2) e (6.4), a equação (6.2) é bem mais precisa e define com exatidão o menor número de dentes do peão que vai garantir a não interferência para um número definido de dentes da coroa. Já e equação (6.4), de uso mais simples, assume engrenamento do pinhão com uma cremalheira garantindo, neste caso a não interferência, fica claro então que não se tendo interferência com  a cremalheira, não vai se ter com nenhuma outra coroa, pois se o ponto P, figura 6.1, já se situa dentro do segmento \(\overline{IH_1}\) com a cremalheira não haverá possibilidade de sair dele com nenhuma outra geometria de coroa. Note entretanto que, comparando-se com a equação (6.2), a equação (6.4) é bastante conservativa pois majora um pouco a quantidade de dentes do pinhão, principalmente se a quantidade de dentes da coroa for próxima deste.

     Como o lado direito da equação (6.4) não envolve nenhuma quantidade de dentes, mas somente o valor do ângulo de pressão, nós podemos determinar o menor número de dentes do pinhão para os diversos ângulos de pressão utilizados na prática, a tabela 6.1 abaixo, ilustra isto.

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Tabela 6.1 – Número mínimo de dentes do pinhão.

     A seguir, temos um vídeo mostrando o trecho onde ocorrem os segmentos de retas radiais até o pé do dente, em alguns casos, fazendo com que não exista evolvente total no perfil do dente (para este item, é necessário ver apenas 1m10seg, ou seja até o ponto 3m47seg).

Vídeo 6.1 – Trecho radial no pé do dente.

6.4. Exercícios

  1. Partindo-se da equação (6.1), determine a expressão para \(z_1\) que garanta a não interferência quando a relação de transmissão for unitária, considerando-se um ângulo de transmissão \(\alpha\).
  2. Conhecido o número de dentes \(z_1\) do pinhão, mostre que para se garantir a não interferência teremos que ter necessariamente:

\begin{equation*}
z_2>\frac{z_1^2 \text{sen}^2\alpha-4}{4-2 z_1 \text{sen}^2\alpha}
\end{equation*}

  1. Partindo-se mais uma vez da equação (6.1), mostre que a expressão que garante a não interferência quando se é conhecida a relação de transmissão \(\varphi_{12}\), pode ser dada por:

\begin{equation*}
z_1>2\frac{\varphi_{12}+\sqrt{\varphi_{12}^2+(1+2\varphi_{12})\text{sen}^2\alpha}}{(1+2\varphi_{12})\text{sen}^2\alpha}
\end{equation*}

  1. Para um ângulo de pressão de 20o qual o números de dentes do pinhão que pode engrenar com uma coroa de 16 dentes, se haver interferência?
  2. Considerando um ângulo de pressão de 25o, e um pinhão com 10 dentes, qual o número mínimo de dentes que pode ter a coroa sem haver interferência?
  3. Considere um par de engrenagens, em que o pinhão e a coroa têm, respectivamente, 13 e 44 dentes. Sendo o valor do módulo igual a 2 mm e ângulo de pressão inicial igual a 20o, de quanto deve ser aumentada a distância entre os eixos para que não ocorra interferência?